Uso de IA, telemedicina integrada e saúde digital ganham protagonismo como resposta à falta de médicos, ao subfinanciamento do SUS e às desigualdades no interior do país
São Paulo, dezembro de 2025 – A incorporação da inteligência artificial à prática médica deve marcar uma virada estrutural no sistema de saúde brasileiro a partir de 2026, especialmente no atendimento à população que vive fora dos grandes centros urbanos. Mais do que uma inovação tecnológica, a IA vem sendo apontada por especialistas como uma ferramenta estratégica para enfrentar gargalos históricos do SUS, como a escassez de profissionais, o subfinanciamento, a demora no diagnóstico e as desigualdades regionais no acesso à saúde.
Para o médico Yuri Zago Santana, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP), com atuação em saúde digital, atendimento remoto e auditoria médica, o avanço da IA precisa ser compreendido dentro da realidade concreta do país.
“Quando falamos de inteligência artificial na medicina, não estamos falando de futuro distante ou de substituição do médico. Estamos falando de ampliar acesso, reduzir desigualdades e apoiar decisões clínicas em contextos onde faltam recursos humanos e estrutura”, afirma.

Dr.Yuri Zago Santana
Com experiência em diferentes frentes de vulnerabilidade social e atuação em projetos de interiorização da medicina, Yuri destaca que a saúde digital tem papel central na reorganização do cuidado, especialmente nos municípios pequenos e médios, onde a fixação de médicos segue sendo um desafio.
“O interior do Brasil convive com filas, vazios assistenciais e dificuldade de acesso a especialistas. A IA, integrada à telemedicina, permite levar suporte técnico qualificado a lugares onde ele nunca chegou de forma contínua.”
Entre as aplicações mais promissoras estão os sistemas de apoio à decisão médica, triagem automatizada, priorização de exames, interpretação de imagens em radiologia e organização de fluxos assistenciais. Na visão do especialista, essas soluções não substituem o cuidado humano, mas ampliam sua capacidade de alcance.
“A inteligência artificial funciona como uma camada de apoio. Ela ajuda a organizar informações, reduzir erros, priorizar riscos e dar mais segurança ao profissional que está na ponta, muitas vezes sozinho, atendendo em condições adversas.”
Na gestão pública, a expectativa é que o uso de IA contribua para maior eficiência do sistema, especialmente em áreas sensíveis como regulação assistencial, auditoria médica e monitoramento de indicadores. Questões recorrentes na administração municipal, como os resultados do Previne Brasil, a judicialização da saúde e o uso racional de recursos, também entram no radar.
“A IA pode apoiar a gestão ao identificar gargalos, prever demandas e qualificar decisões. Em um cenário de subfinanciamento crônico, otimizar recursos deixa de ser escolha e passa a ser necessidade.”
Apesar do avanço tecnológico, Yuri alerta que a implementação precisa ser cuidadosa, ética e alinhada às realidades locais. Para ele, o maior risco é aprofundar desigualdades caso as soluções fiquem restritas a grandes centros ou à saúde suplementar. “Se a inteligência artificial não for pensada com foco em equidade, ela pode ampliar o abismo entre quem tem acesso e quem não tem. O desafio é garantir que essas ferramentas cheguem ao SUS e às populações mais vulneráveis.”, destaca.
Para 2026, a tendência é de expansão dos modelos híbridos de cuidado, combinando atendimento presencial, telemedicina e sistemas inteligentes de apoio clínico. O especialista reforça que o debate precisa sair do campo da novidade tecnológica e avançar para uma discussão estrutural sobre políticas públicas.
“A tecnologia sozinha não resolve. Mas, quando bem integrada a políticas de saúde, formação profissional e gestão responsável, ela se torna uma aliada poderosa para transformar o cuidado no Brasil.”
Na avaliação de Yuri Zago Santana, a inteligência artificial representa uma oportunidade concreta de repensar o sistema de saúde brasileiro a partir das suas maiores fragilidades. O caminho, segundo ele, passa por informação qualificada, planejamento e compromisso com o interesse público
Outro ponto central no avanço da inteligência artificial na medicina é a capacidade de qualificar o cuidado em cenários de alta complexidade clínica, onde decisões precisam ser tomadas rapidamente e com informações incompletas. Em serviços de urgência, atenção primária e hospitais de médio porte, sistemas inteligentes podem auxiliar na estratificação de risco, no encaminhamento adequado de pacientes e na redução de exames desnecessários, contribuindo para maior segurança assistencial.
Além da prática clínica, a formação médica e a capacitação das equipes de saúde também devem passar por transformações nos próximos anos. A incorporação da IA tende a exigir novos perfis profissionais, com maior letramento digital, capacidade crítica sobre algoritmos e compreensão dos limites éticos dessas ferramentas. Para especialistas, investir em qualificação será essencial para que a tecnologia seja usada como apoio e não como substituição do julgamento clínico.
Por fim, o debate sobre inteligência artificial na saúde precisa incluir transparência, governança e responsabilidade. O uso de dados sensíveis, a aplicabilidade dos algoritmos e a proteção da relação médico-paciente serão temas centrais à medida que essas soluções se tornem mais presentes no cotidiano do SUS e da saúde suplementar. A expectativa é que, a partir de 2026, o avanço da IA esteja menos associado ao deslumbramento tecnológico e mais à capacidade de gerar impacto real na vida das pessoas, especialmente onde o cuidado ainda não chega de forma adequada.

